vida nova
Tanta coisa acumulada. Há catorze anos,
tudo meio misturado, botei em caixas de papelão. Há sete, reorganizei, caixas
de plástico, numeradas, setenta e tantas. Ufa!
Nada que realmente me faça falta. Estes
objetos me têm. Volta e meia, tenho que arrumá-los, espaná-los, cuidar, traças
e cupins. Mas não consigo, simplesmente, jogar fora. São memórias de minha vida.
Ai!
Em 48 caixas, memória audiovisual. São
gravações, originais ou editadas, realizadas entre 40 anos atrás e hoje. Fitas,
hds, dvds, pendrives, cabos, equipamentos... Bem, estas caixas, devo manter
perto de mim. Representam, um tanto, o que senti, o que vivi. Ai, ai.
Pensei em enterrá-las, dentro de um
contêiner, em algum lugar sonhado. Meus biógrafos encontrarão, ali, registros
de momentos de um homem comum, como qualquer um. Não vou enterrá-las.
Em outras quase tantas caixas, de tudo
um pouco. Cadernetas com textos originais que geraram meus livros, roteiros de
alguns vídeos, jornais dos anos 70 e 80, fotos, desenhos, bibelôs, panelas
herdadas, contas pagas, exames médicos, impostos pagos, ferramentas,
ferragens...
E olha que o jardim, pequeno, vivo,
bonito, me pede um tempo diário, pouquinho, pra molhá-lo e só. Um, hoje amigo,
amante das plantas vem, de duas em duas semanas, delas cuidar.
Bom, me oriento por um desejo. Quero me sentir leve, “sem lenço nem
documento, nada no bolso e nas mãos”. Consegui um pequeno espaço pra algumas
caixas. Trabalheira, agora, mudança.
Meus livros psi, especialmente os escritos por Wilhelm Reich, doei pra
uma escola de psicoterapeutas. Outros livros, variados em qualidade e
quantidade, ainda não encontraram destinos. Falta, agora, encontrar usuários e
cuidadores do material audiovisual. Um amigo já me lembrava: os planos
funcionam. Difícil é o cronograma.
Sei que, logologo, já serão outros os problemas que escolherei focar.
Pesquisador de mim mesmo, há muito presto mais atenção às causas dos
sintomas que por desventura sinta. Procuro, mais, cuidar das causas dos
sintomas que eliminá-los. Percebo sintomas como avisos. Não elimino os avisos.
Tento cuidar das causas dos meus distúrbios, eventuais doenças.
Um dos cuidados, alimentação. Outro, movimentação, caminhadas. E
respiração. Alimento, movimento, respiração. Este o tripé básico da minha atual
vida saudável.
Lembro de um psiquiatra meu conhecido: se eu considerar o ser humano como
somente biofísico, operação ou medicamento são as opções para tentar resolver
qualquer distúrbio. Mas se considero o Homem como também emocional, espiritual,
social... amplio minha visão e possibilidades de reequilíbrio. Sei, agora, que
se cuido do emocional, meu corpo agradece. Se cuido do espiritual, eu todo
agradeço. Se cuido do social, agradecemos juntos.
Lembro o dito popular, “quando a boca cala, o corpo fala, adoece. Quando
a boca fala, o corpo cala, cura”.
Meus pais se foram, agora me sinto pai e mãe de mim mesmo. Se eu não me
cuidar, quem me cuidará? Inda mais, sinto e percebo, cuidadores que não se
cuidam adoecem como os que estão sendo cuidados. Não me esqueço: primeiro,
cuido de mim. Só assim poderei cuidar de outros.
Estas arrumações todas – caixas, agendas, escolhas... – já são, em si,
práticas de uma nova vida. Esta vida que desejo, em movimento, atento ao
momento e às escolhas que determinam o que viverei. Em cada escolha, me sinto
rei de mim mesmo.
Ah! Que bom! Posso, como qualquer um, escolher um tanto o que sinto e
vivo. Inda mais, descubro, quando o Deus que venero e abraço se alegra com
minhas alegrias.
Luiz Fernando Sarmento
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