sexta-feira, 13 de outubro de 2017

livre associo - 02 uma vida incomum como qualquer um


livre associo


Misturo de um tudo. Nas ruas, louras, louras, louras. Chego mais perto, são negras as raízes dos cabelos. As louras, na verdade, são morenas. Barbie, modelo de beleza, american way of life, é referência. Nas falsas-louras nativas, talvez angústia por não serem, originalmente, semelhantes aos ídolos adotados.

Comunicação é meio,
mesmo o meio sendo em si mensagem. O primeiro desafio que vivo é perceber o que meu próprio inconsciente tenta me comunicar. Apesar dos impedimentos por parte de outras partes de mim. Fico atento aos sinais que me dão meus atos falhos. Ato falho não falha!

Conteúdos que me tocam me emocionam. Minha memória afetiva, sinto, permanece. Minha memória racional me escapa. De que mesmo eu estava falando?

Quero aprender, como diz Simone de Beauvoir, “viver sem tempos mortos”. Concordo com Sérgio Mello: os planos funcionam, difícil é o cronograma. Também com alguém, não me lembro quem: seja o que deseja ser.

De vez em quando me pego muito eficiente, no caminho errado. Perdi minha vida por educação. Foi Verlaine quem disse?

Esta aprendi com Adalberto de Paula Barreto – a pergunta que antes, submisso, fazia a outros, agora tenho perguntado ao espelho: que você quer que eu queira, pr’eu querer?

Aprendi e me tem feito bem: meu humor como indicador. Se estou de bom humor, estou bem. Se de mau humor, estou mal. Identifico-me com o que entendi do FIB, Felicidade Interna Bruta.

Meus filhos, meus amigos aprendem comigo mais pelo que sou do que pelo que falo. Vice versa, eu também.

Meus desejos me mobilizam. Eu me movimento a partir dos meus desejos. Desejos são básicos aos meus movimentos. Procuro descobrir quais meus
desejos.

Tento construir, pelas ações, pontes entre desejos e práticas. Pra facilitar, só quando preciso, numa coluna listo as tarefas que julgo necessárias para a realização do desejo. Ao lado de cada tarefa, em outras 4 colunas, prevejo datas, custos, responsáveis e anoto outras observações. Dentro de mim, o conflito entre prever-planejar e não ter agenda, não limitar o futuro. Talvez eu possa planejar e adaptar à realidade o que antes previ.

Se não gozo quando transo, permaneço com uma vivacidade juvenil, o prazer permanece. O gozo já não é meta. A meta, se existe, é o prazer em cada momento.

Onde vai meu pensamento, vai minha energia.
Aprendo escolher pensamentos.

De Freud entendi que muitos dos conteúdos dos sonhos estão relacionados a acontecimentos do dia anterior. Quando suporto alegria, antes de dormir, leio o que me faz sentir bem. Quando acordado, evito situações que me gerem sentimentos desagradáveis.

Outros em outras épocas já descobriram um tanto disto tudo. Esta memória coletiva onde está? Sei que quando relaxo, capto.

Volta e meia me pego,
inconsciente, estragando prazeres: ao brigar com a namorada quando estava gostoso, ao chutar pedra quando a caminhada tava boa, ao detonar um trabalho que me trazia enlevo... Muitas vezes senti como insuportável a alegria. A minha, as de outros. Percebi o mesmo em outros.

Permaneço desconfiado que isto se relaciona com minha cultura cristã, que proíbe emoções, prazeres – vide os 10 mandamentos e os 7 pecados capitais. Serei castigado – agora ou depois da morte – se transgrido alguma regra.

Perdi minha inocência quando fui catequizado. Antes, em mim só existia um senso ético. Não existiam pecados mortais, veniais, infernos. A moral veio como doutrina. Internalizei as regras e as consequências de transgressões: dentro de mim, associo o prazer ao castigo. Logo que percebo prazer, lembro castigo.

Evito castigos eliminando prazeres.
Os prazeres se tornam então insuportáveis.

Agora, consciente, aprendo ser mais responsável por mim mesmo, minhas ações, minha vida. Sei que já não devo reclamar da pedra ao tropeçar nela. Eu é que não prestei atenção. Reclamo antes ao espelho.

Algumas vezes minha vida ficou sem sentido. Tanto fazia viver, morrer. Não cheguei a procurar a morte. Mas a vida tava sem gosto. A lembrança dos filhos me animava. Eu era resiliente e não sabia: vim do quase fundo do poço ao equilíbrio dinâmico de agora.

Antes dos 8 anos já sabia da proibição dos prazeres. Vivi prazer e medo em secretas descobertas infantis. E punhetas silenciosas das 2 da tarde aumentavam culpas, pavores e rezas noturnas. Aos 14, no beco dos meninos, tive a sorte do acolhimento tranquilo naquele corpo diferente do meu. Aprendi a gostar de mulher.

Mas perdi mesmo a grande inocência quando sofri o catecismo. Não sabia de pecados – mortais, veniais – e castigos. Ficou um medo enorme do inferno eterno, chamas que nunca acabam. Foi como um insight ao contrário, um indark.

Wilhelm Reich foi um choque bom. Perdi outra inocência, ganhei consciência: sou responsável por mim.

Hoje leio sem ter que fazer provas. Só em boa companhia, adoro orelhas de livros, vejo trechos de Freud, Jung, Nise, Bubber, Moreno, Lobsang, Rajneesh, Lacan, Platão, Voltaire, Saint-Exupéry, Szasz, Chang, Capra, Moody, Rogers, Beauvoir, Lobato, Quino, Monroe, Veríssimo, Barreto, Cançado, Ferenczi, Angeli, Brunton, Eco, Laing, Freire, Ziraldo, Ludemir, Nietzsche, Feitosa, Pessoa, Moraes, Pontes, Chacal, Robin... e por aí vou. Se entendo, ai, que bom.

Se não, vou em frente, volto, folheio. Antes de dormir, então, leituras facilitam o sono, os sonhos. É uma forma de oração, cuidar do que me vai dentro.

As sínteses de Pontes, o Roberto: todo mundo é, todo mundo pode ser. E: o saber em todo ser. Mais ainda: amor e medo, emoções básicas.

Lembro a Chiquita Bacana de João de Barro:
existencialista, com toda razão, só faz o que manda o seu coração.

E talvez Sartre: não importa o que fizeram com minha vida. Importa o que vou fazer com o que fizeram da minha vida.

E o título do livro póstumo de Winnicott:
Tudo Começa em Casa.

Luiz Fernando Sarmento
















Nenhum comentário:

Postar um comentário