fora
de ordem
Aqui os tempos se
misturam tanto quanto os assuntos. Fim e meio não sabem onde começam. Sorte de
quem escolhe o que lê. E salta o que não lhe importa.
Tudo um tanto confuso,
não sei direito quem sou, que faço. Só sinto,
só penso. A novidade é que aqui e agora estou estruturado, como desejei e
produzi. Filhos cuidados, casa com cada coisa em seu lugar, despesas básicas de
todo dia supridas – comida, condomínio, telefone, gás, luz, net-internet. Posso
acordar e, em cada momento, escolher o que fazer da vida.
Os desejos vão, vêm, se transformam. As
variáveis que interferem nos meus desejos são inúmeras, inesperadas, fora do
meu controle. O que é agora pode ser diferente depois. Quase como rotina, cuido
de mim; alongo ao acordar, cozinho, lavo, mantenho o básico. Cada dia tem sido
outro.
De duas em duas semanas, um casal arruma o
apartamento. Outros amigos e colegas copiam vídeos que realizei só ou em
parcerias, incluem na internet, compõem programas alternativos de TV. Participo
de encontros de interesse comum, ajo reativo ao processo de cada parceiro,
despreocupado de tempos. Em relação ao bem-estar meu e do mundo, procuro
distinguir o que está ao meu alcance.
Dentro de mim, cada vez mais tranquilo. Isto
ontem, hoje de outro jeito, amanhã não sei. Quero agora escrever, fora de
ordem. Princípio, meio, fim se misturam. E, dependentes de minha memória, se
perdem ou nem se completam. Imagino – e proponho agora – cada leitor, se
houver, cuide editar o que leia. Escolho o mais próximo do que sinto síntese.
Vez ou outra me repito, como pra recordar. Detalhes, aprofundamentos, talvez
mais adiante.
Compartilho
o que, inda que verde, me faz bem e imagino
possa fazer a outro. Se edito a prosa, encontro o verso. Se edito o verso, o
hai-kai? Se edito o hai-kai, o silêncio. Nem tudo se resume a isto. Confesso,
não sei direito o que é hai-kai.
Em pleno vôo, a aeromoça orienta. Quando as máscaras
caírem, primeiro cuide de você, depois dos outros, mesmo crianças. Analogia
imediata, cuidarei melhor do outro, se antes cuido de mim. Como você pode
cuidar de mim, se não cuida de você? A pergunta que fiz a um amigo, tenho feito
ao espelho: como posso cuidar do outro, se não cuido de mim?
Tento inventar, descobrir, construir jeitos
de relacionar-me que me supram. Aprendo que não posso dizer sim a algo que não
está em mim.
Facilita minha vida quando separo a loucura
do outro da minha loucura. Se a mim não me permito, a outros inibo. E vice
versa. Quando não beijo, por exemplo, muitas vezes não suporto outros se beijarem.
Muitos “não!” que me chegam, são “loucuras” de outros.
Como Cacilda Becker, não tenho tido tempo pra
lutar contra, só a favor. Como, talvez, Tom Jobim, aprendo que democracia é
muito bom, inda mais se a pratico aqui com meus colegas de trabalho, lá em
casa, com quem está ao meu alcance. Descubro que meus pensamentos são escolhas
minhas. Que gentilezas têm me gerado gentilezas. E quanto mais me conheço,
melhor vivo.
Na tentativa de tornar mais simples minha
vida, aprendo que quanto menos tenho, mais leve me sinto. Um par de sapatos é
suficiente, três me dão mais trabalho que um.
Os objetos é que me têm, não eu que tenho os
objetos. Carros dão trabalhão. E plantas, animais: é o cachorro que me levaria a
passear, não eu a ele. Não posso deixar a casa sozinha se há plantas pra
cuidar. Qualquer coisa que tenho, me dá trabalho. Um bibelô? Tenho que espanar.
Se tenho em excesso, trabalho em excesso. Sou assim quase escravo do que tenho.
O subjetivo, também, pauta minha vida. Sinto assim.
Os saldos positivos da minha vida estão relacionados aos afetos. Aprendo que um
meu capital básico são as relações que cultivo, os afetos que me envolvem. Que
sonhar me faz bem: me orienta o que faça. E que há vazios em mim que só eu
posso aprender a preencher.
Alguma compaixão me nasce em relação a quem dedica
a vida a acumular coisas e sentimentos negativos, em tentativas de preencher
vazios que em si mesmo desconhece. Aprendo que melhor aprendo, fazendo. E que
melhor ensino, sendo. E eu, que não consigo resolver esta pretensão de que sei
um tanto sobre quase tudo?
Como eu,
imagino que uma mãe, um pai, professor,
patrão, governante, sacerdote... desejam que um outro seja o que não é.
Eventualmente inconscientes, projetam no outro seus próprios desejos. Nuns e noutro,
quando cai a ficha – se cai – a consciência se dá, a compreensão se instala, o
comportamento tende a mudar. Quando a ficha não cai, permanecem – eternas? –
incompreensões.
Luiz Fernando Sarmento
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