uma vida
incomum como qualquer um 30
pausa
Horizontes
Lá na frente, como
me vejo? Fecho os olhos, me sinto adolescente. Abro, a imagem me choca, um velho.
Quem é este homem maduro, enrugado? Sei que agora não me reconheço ao espelho.
Hoje
Ou ontem, amanhã, o
tempo se dilui em minha memória frágil. Meu sofrimento hoje é alguma tristeza
difusa, talvez profunda atrás deste meu fazer vídeo, fazer livro, fazer
encontros de terapia, fazer, fazer.
Talvez esta
irritação na garganta expresse o incômodo que sinto e do qual não me aproximo. Se
a vida, o mundo, é um palco enorme, em cada espaço algo acontece. Como atos de
teatros. Aqui e ali um nascimento, uma morte, uma dança, tiroteio, um canto, um
olhar, um desvio, choro, sorriso, arrepio, descanso, tensão, medo, uma criação,
destruição, solidão, um conforto, desconsideração, solidariedade.
Quando sou o ator,
tenho escolhido neste palco o bem-estar que suporto. Quando espectador, uma vez
visto, internalizo, não releio notícias, desgraças.
Minha referência
tem sido meu humor. Se bem humorado, é por aqui. Se mal-humorado, não. Tenho cuidado
de me compreender. Já sei que meu gosto pelo outro passa pelo meu gostar de
mim.
Em casa, nenhum
remédio. Nem comprimido, além da Maravilha Curativa que cicatriza,
nenhum. Muito de vez em quando, como estes últimos dias, um sinal. Como esta
irritação de garganta, um início de catarro, remelas ao acordar. Talvez meu
corpo expresse algum sentimento contido. Desconfio de tristeza. Há alguns dias,
a maior parte de mim não deseja encontrar-se com ela.
Simples assim
Homens hipnotizados
passam agora correndo em frente. Cantam firmes, uníssonos. Dentre os versos escuto
...É a vontade de matar... Escolheram a morte como meio.
Pra deles me
defender, tento entendê-los, olhar com seus olhares. Sinto medo dos seus medos.
Pressinto que por medo, atiram. Suas ações nascem das pressões que
internalizaram – as ordens, os castigos, suas missões – e do medo de sofrerem.
E ainda ganham medalhas e parabéns.
São, somos, sou o
mesmo guerreiro de ontem e de hoje. Têm, temos, tenho um tanto da idade da pedra.
Repetem, repetimos, repito os bárbaros, domino mundos e perco guerras no
interior de mim mesmo. São, somos, sou semelhante a soldados hunos, persas,
egípcios, romanos, espanhóis, ingleses,
alemães,
americanos.
Seus, nossos, meus
medos têm raízes em minha infância, são reforçados na
adolescência,
enrijecidos agora adulto. Seus, nossos, meus horizontes são curtos. Imagino a
atenção constante, o inimigo em cada lugar, cada desconhecido uma possível
vingança.
Quando matam, matamos,
mato o outro, mato um tanto de mim. E não percebem, não percebemos, percebo.
Como quando elevam, elevamos, elevo o outro, a mim elevo.
Parafraseio Laing. Alguém
me ama, me acho bom. Alguém não me ama, me acho mau. E lembro Lennon, all
we need is love. Love is all we need. Empírico, sei, quem apanha em casa é
quem mais briga na rua. Tudo começa em casa: Winnicott tinha razão?
Luiz
Fernando Sarmento
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