domingo, 21 de maio de 2017

juntomisturado - uma vida incomum como qualquer um 31



uma vida incomum como qualquer um 31

juntomisturado


Perguntas que me faço...
Em cada outro, um pedaço de mim?
Em cada pessoa, um tanto da minha pessoa?

Quando percebo algo no outro,
é algo que já conheço? Em mim?
Livre arbítrio, o que é em mim? Pratico?

Ética, o que é em mim?
Quando não fui ético?
Afeto, o que é em mim?

Sou afetuoso com quem desejo?
O mundo anda enquanto paro?
E o amor, o que é o amor?

Como descrever o gosto da banana?
E o gozo, pra quem não gozou?
E o amor, se só vislumbro?

Desconfio que estou amando quando desejo para o outro o que, lá no meu profundo, desejo pra mim. Se é assim o amor, meu amor é nosso amor.

Meu amor é como um reflexo. Sou espelho do que recebo e percebo. Sou amado pelo que ofereço. Talvez eu saiba o que o amor não é. Não possuo nem sou possuído. Não limito nem sou limitado.

Meu amor não é excludente. Amo um e uma eamo outros. Amo a mim, amo aqueles que desejampra mim o que desejam – lá nos seus profundos– pra si mesmos.

Só amo outro quando amo a mim. Sou dou oque tenho.

Anos depois, leio Contardo Caligaris e me identifico:

“Eu não tenho ciúme. Se alguém que eu amome deixa por outro, eu me desespero como todo mundo.Mas se alguém que eu amo, sei lá, está viajando,
continua me amando, mas tem a oportunidade de sedivertir com outro parceiro por um par de dias ou desemanas, eu fico feliz por ela.”.

Pergunta que, sei, só devo fazer ao espelho:
quevocê quer que eu queira, para eu querer?

E o livro?

Alguém já disse que o escultor, pra realizar sua obra, vai retirando do objeto bruto o que está em excesso. Constrói pela retirada.

Disseram também que escrever é cortar palavras. Tentei. E foram tantos cortes que a prosa tomou forma de poesia.

A poesia, cortada, virou o que? Haicai? Mas se enxuto este que imagino haicai, sobra o silêncio.

Agora tento de novo, cortando menos, na esperança que cada leitor edite. Assim como acontece comigo, fico de cada leitura somente com o que me toca.
O que posso me dizer? Quanto mais maduro, melhor me sinto. Sou centro do meu universo. A vida é um fluxo variado. Cuido de mim. Meu humor é um indicador. Quanto mais faço o que quero, melhor pra todos. Ando cheio de sabedoria. Quando tropeço, duvido. Se atento, aprendo. Desatento, tropeço de novo...

E o Tao Te King?
Eu gostaria de ser sábio a ponto de conhecer a mim mesmo. Tão forte que capaz de me dominar. Rico, rico de viver contente. E terno, eterno, transcendente da morte.

E sofrimentos?
Eu sofro porque desejo?
Eu desejo porque sinto falta?
Minhas faltas onde nasceram?
O que eu tinha que não tenho?

Cinema e vídeo
Na década de 70, operário de cinema, exerci funções variadas. Como voluntário, no escritório dos Barreto, atento ao tudo novo, bolei e pratiquei controles administrativos. Depois, em Perdida, de Carlos Alberto Prates Correia, aprendi direção de produção. Generoso, Carlos Alberto abriu portas e janelas. Pratiquei assistência de montagem com Amauri Alves e Eduardo Escorel, no Guerra Conjugal, de Joaquim Pedro. Cada corte, muito trabalho manual.

Frequentei anos a Mapa, produtora de Zelito Viana, desde os tempos da Urca. Na Embrafilme fiquei à disposição de Roberto Farias e, no setor de rádio e televisão, sob o olhar da Martha Alencar, dirigi – hoje sei, sem estar preparado – o Coisas Nossas, programa com exibição de documentários veiculado pela TVE. Lá, por um ou poucos dias, fui assistente de som do Jorge Amado, documentário de Glauber Rocha. Participei também da sua montagem, também como assistente. Glauber chegava, orientava Carlos Cox – o montador – e voltava depois.

Os neurônios da memória saltitam. Fiquei sem voz ao dar de cara com Caetano no corredor. E, tão fã, ao invés de me aproximar de Gil, fotografei.

Tive uma câmera VHS, daquelas ligadas por um fio à unidade de gravação. Minhas mãos eram muitas para – simploriamente, apaixonadamente, inocentemente? – produzir e gravar o que me atraia. Cenas familiares, movimentos e, no campo psi, vivências, simpósios, depoimentos, entrevistas.

Com dinheiro curto, me limitei ao possível. Utilizava copiões – cópias para trabalho, feitas a partir das fitas originais – para assistir repetidamente o que havia gravado. Selecionava, roteirizava. Alguns documentários ficaram prontos. E cópias, feitas por empresas especializadas. A capa, embalagem, distribuição, presenteios e vendas, mão-a-mão apoiado por amigos. Um tanto assim até hoje.

Sempre me propus conteúdos atemporais. Compreendi que qualidades técnicas contemporâneas estavam fora do meu alcance. As formas, as mais simples. Câmera na mão ou fixa. Cortes secos, fades out e in.

Comprei uma Canon 16mm, emprestei. Roubada no local da filmagem, fui ressarcido em prestações mensais. De outra vez pedi a um amigo que estava vendendo sua própria câmera que também vendesse a minha SHVS. Um comprador se interessou, propôs depositar o valor. Voltou com o recibo do banco, levou a câmera. O cheque depositado era roubado... Sonhos interrompidos.

Tempo passado, mergulho na terapia comunitária. Horas e horas de gravação, agora com uma HDV Canon pequeninha, sugerida pelo Elizeu Ewald, pioneiro em tecnologias virtuais. Medos semelhantes aos de trinta anos atrás se aproximam de mim. Mas aprendi que prazos me angustiam... e já não me imponho datas nem sociedades. Está quase se tornando um prazer, o fazer. Aprendo.


Luiz Fernando Sarmento








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