uma vida incomum como qualquer um 31
juntomisturado
Perguntas que me
faço...
Em cada outro, um
pedaço de mim?
Em cada pessoa, um
tanto da minha pessoa?
Quando percebo algo
no outro,
é algo que já
conheço? Em mim?
Livre arbítrio, o
que é em mim? Pratico?
Ética, o que é em
mim?
Quando não fui
ético?
Afeto, o que é em
mim?
Sou afetuoso com
quem desejo?
O mundo anda
enquanto paro?
E o amor, o que é o
amor?
Como descrever o
gosto da banana?
E o gozo, pra quem
não gozou?
E o amor, se só
vislumbro?
Desconfio que estou
amando quando desejo para o outro o que, lá no meu profundo, desejo pra mim. Se
é assim o amor, meu amor é nosso amor.
Meu amor é como um
reflexo. Sou espelho do que recebo e percebo. Sou amado pelo que ofereço. Talvez
eu saiba o que o amor não é. Não possuo nem sou possuído. Não limito nem sou
limitado.
Meu amor não é
excludente. Amo um e uma eamo outros. Amo a mim, amo aqueles que desejampra mim
o que desejam – lá nos seus profundos– pra si mesmos.
Só amo outro quando
amo a mim. Sou dou oque tenho.
Anos depois, leio
Contardo Caligaris e me identifico:
“Eu não tenho
ciúme. Se alguém que eu amome deixa por outro, eu me desespero como todo mundo.Mas
se alguém que eu amo, sei lá, está viajando,
continua me amando,
mas tem a oportunidade de sedivertir com outro parceiro por um par de dias ou
desemanas, eu fico feliz por ela.”.
Pergunta que, sei, só
devo fazer ao espelho:
quevocê quer que eu
queira, para eu querer?
E o livro?
Alguém já disse que
o escultor, pra realizar sua obra, vai retirando do objeto bruto o que está em excesso.
Constrói pela retirada.
Disseram também que
escrever é cortar palavras. Tentei. E foram tantos cortes que a prosa
tomou forma de poesia.
A poesia, cortada,
virou o que? Haicai? Mas se enxuto este que imagino haicai, sobra
o silêncio.
Agora tento de
novo, cortando menos, na esperança que cada leitor edite. Assim como acontece comigo,
fico de cada leitura somente com o que me toca.
O que posso me
dizer? Quanto mais maduro, melhor me sinto. Sou centro do meu universo. A vida
é um fluxo variado. Cuido de mim. Meu humor é um indicador. Quanto mais faço o
que quero, melhor pra todos. Ando cheio de sabedoria. Quando tropeço, duvido. Se
atento, aprendo. Desatento, tropeço de novo...
E o Tao Te King?
Eu gostaria de ser
sábio a ponto de conhecer a mim mesmo. Tão forte que capaz de me dominar. Rico,
rico de viver contente. E terno, eterno, transcendente da morte.
E sofrimentos?
Eu sofro porque
desejo?
Eu desejo porque
sinto falta?
Minhas faltas onde
nasceram?
O que eu tinha que
não tenho?
Cinema e vídeo
Na década de 70, operário de cinema, exerci
funções variadas. Como voluntário, no escritório dos Barreto, atento ao tudo
novo, bolei e pratiquei controles administrativos. Depois, em Perdida,
de Carlos Alberto Prates Correia, aprendi direção de produção. Generoso, Carlos
Alberto abriu portas e janelas. Pratiquei assistência de montagem com Amauri
Alves e Eduardo Escorel, no Guerra Conjugal, de Joaquim Pedro. Cada
corte, muito trabalho manual.
Frequentei anos a Mapa, produtora de Zelito Viana,
desde os tempos da Urca. Na Embrafilme fiquei à disposição de Roberto Farias e,
no setor de rádio e televisão, sob o olhar da Martha Alencar, dirigi – hoje
sei, sem estar preparado – o Coisas Nossas, programa com exibição de
documentários veiculado pela TVE. Lá, por um ou poucos dias, fui assistente de
som do Jorge Amado, documentário de Glauber Rocha. Participei também da sua
montagem, também como assistente. Glauber chegava, orientava Carlos Cox – o
montador – e voltava depois.
Os neurônios da memória saltitam. Fiquei sem
voz ao dar de cara com Caetano no corredor. E, tão fã, ao invés de me aproximar
de Gil, fotografei.
Tive uma câmera VHS, daquelas ligadas por um fio
à unidade de gravação. Minhas mãos eram muitas para – simploriamente,
apaixonadamente, inocentemente? – produzir e gravar o que me atraia.
Cenas familiares, movimentos e, no campo psi, vivências, simpósios,
depoimentos, entrevistas.
Com dinheiro curto, me limitei ao possível. Utilizava
copiões – cópias para trabalho, feitas a partir das fitas originais – para
assistir repetidamente o que havia gravado. Selecionava, roteirizava. Alguns
documentários ficaram prontos. E cópias, feitas por empresas especializadas. A capa,
embalagem, distribuição, presenteios e vendas, mão-a-mão apoiado por amigos. Um
tanto assim até hoje.
Sempre me propus conteúdos atemporais.
Compreendi que qualidades técnicas contemporâneas estavam fora do meu alcance.
As formas, as mais simples. Câmera na mão ou fixa. Cortes secos, fades out e
in.
Comprei uma Canon 16mm, emprestei. Roubada no
local da filmagem, fui ressarcido em prestações mensais. De outra vez pedi a um
amigo que estava vendendo sua própria câmera que também vendesse a minha SHVS.
Um comprador se interessou, propôs depositar o valor. Voltou com o recibo do
banco, levou a câmera. O cheque depositado era roubado... Sonhos interrompidos.
Tempo passado, mergulho na terapia
comunitária. Horas e horas de gravação, agora com uma HDV Canon pequeninha,
sugerida pelo Elizeu Ewald, pioneiro em tecnologias virtuais. Medos semelhantes
aos de trinta anos atrás se aproximam de mim. Mas aprendi que prazos me
angustiam... e já não me imponho datas nem sociedades. Está quase se tornando
um prazer, o fazer. Aprendo.
Luiz
Fernando Sarmento
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