uma vida incomum como qualquer um 34
hoje, já passado
Pedaços
Não sei definir direitinho meu estado civil.
Há momentos em que sou maridão. Feira juntos, disponível na manutenção da casa,
furadeira empunho, retratos na parede, qual chá hoje? Relatos ao telefone, TV
cedinho, só vou se você for, o que você quer pra que eu queira.
Canso, sensação de aprisionamento, de viver
uma vida que não é minha. Gota d’água, me rebelo. Volto pra minha base
solitária, repito, invento, reinvento rotinas. Viro namorado, duas vezes por
semana. Cinema, passeio, cada um cuida do que se propõe, volto aos meus
projetos, escrevo, gravo, alguns encontros com amigos. Em intervalos,
sentimentos de solidão.
#
Tudo muda a cada instante, também sei. Não
sei definir com precisão minha profissão. Leio com frequência. Na cabeceira
literatura psi, romances, esporadicamente livros técnicos, revistas. Jornal, uma
vez por semana? Vejo um bom filme, leio algo que me fica, sei de uma notícia
interessável, falo com um e outro, reproduzo, distribuo, imeio.
Penso como rede. Raciocínio inverso, a partir
dos objetivos, planejo de lá pra cá. Há muito tempo tinha vergonha de falar o
que pensava. Terapia, convivência com gente mais resolvida que eu, leituras,
dois passos pra lá, um pra cá, ampliei no meu tempo minhas limitações, comecei
a me expressar.
Hoje primo por livres associações, ora foras,
ora dentro em cheio. Se me incomoda o incômodo de outros, tento distinguir o
que é meu, o que é de outros. Sei que me sinto vivo quando vivo o que escolho,
o que sou eu.
#
Um ontem, gravei em Barra do Piraí um
encontro de terapia comunitária. Paula, a terapeuta. Praça principal, gente
mais velha, o tema escolhido foi a preocupação com os filhos, mesmo os já
adultos.
É um que bebe e fuma, outro que anda de
motocicleta, chega tarde e assim vai. Uma senhora se emociona ao relembrar a
recente morte, AVC, de pessoa próxima. Alguém inicia uma música, abraçam-se em
roda, balançam enquanto cantam, trocam olhares compreensivos, ternos. Um ou
outra que permanecia mudo se expressa, ainda tímida, voz baixa, bota pra fora o
que lhe incomoda. Uns quantos chegaram solitários, partem agora um tanto
solidários. Sexo não tem idade. Sexualidade.
#
Semanas passadas. Vem se acumulando uma
sensação de excesso de compromissos comigo mesmo. Iniciei semana passada o que
imagino uma série de entrevistas. Luiz Soares é um morador de Manguinhos,
comunicador ativo, leva-e-traz informações que beneficiam os que ouvem, nos encontros
comunitários que participa. Já o vi, discreto, atento, em meio a muitos, nos
cantos das telas, em três documentários recentes que assisti.
Segunda por volta das nove nos encontramos aqui
em casa, de frente um para o outro, um em cada cadeira, uma câmera nele, outra
em mim. Fala do que é, do que faz, dos planos. Invertemos, ele me entrevista,
conto o que imagino sou, faço, da terapia comunitária. Trocamos de cadeira de novo,
ele desfia realizações que têm dado certo em comunidades menos favorecidas,
frutos de iniciativas de moradores locais. Aventamos também entrevistá-los
aqui, nas semanas vindouras. Entrego as fitas gravadas, brutas, para ele.
Mostrará para amigos da TV Comunitária – canal fechado da net – com a intenção
de, juntos, editarem e veicularem. Dois dias depois já me informa encontrou interessados
e que em vinte e cinco dias terá resposta.
Anteontem contei para Evandro Ouriques, da Escola
de Comunicação da UFRJ. Combinamos entrevista daqui a duas semanas. Antes eu já
havia comprado alguns equipamentos complementares, alternativos, baratos: dois
rolos de chromakey, duas luminárias-tipo-panelas de alumínio, lâmpadas
fluorescentes e mais umas coisinhas pra montar um estúdio caseiro aqui no que é
meu teto. Busquei dicas com quem sabe. A câmera dvcam de Michel permanece
comigo, Pedro meu filho me informa dos softwares, Jorge Rodrigues ternamente
se oferece e constrói os materiais que tenho me permitido aceitar. Como uma
sopa de pedras. Sementes de programas de tv?
Luiz
Fernando Sarmento
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